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Ancelotti pode dar o hexa à seleção, e mesmo assim o futebol brasileiro não sair vencedor 3u4y50
Publicado em: 12/05/2025 | GLOBOESPORTE.COM / CARLOS EDUARDO MANSUR 2p3p3
No fim de tudo, após dois anos de flerte, negativas, avanços e recuos, Ednaldo e Ancelotti serão julgados pelo resultado, como costuma acontecer no futebol. No dia 19 de julho de 2026, valerão muito pouco os 30 meses marcados por um treinador interino, outro que dividia expediente com um clube, e um terceiro que jamais gerou convicção na direção da CBF – e, por isso mesmo, nunca foi realmente respaldado.
Daqui a pouco mais de um ano, com apenas cinco convocações antes de elaborar a lista final para o Mundial, o “projeto Ancelotti' será visto como um sucesso se o italiano levar a seleção ao hexa. Em meio à euforia, ninguém lembrará dos constrangimentos a que foi exposta a seleção, do tempo desperdiçado, da gestão estabanada da camisa mais importante do mundo. Em outra hipótese, o trabalho será visto como um fracasso se o Brasil não for campeão. E aí, num cenário ou outro, estaremos repetindo erros históricos do futebol brasileiro.
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O anúncio de seu treinador fetiche, com um curto contrato até a Copa, tende a ser visto como uma vitória de Ednaldo, justamente em um de seus momentos de maior fragilidade política. A esta altura, faz algum sentido. Mas o futebol brasileiro pode sair realmente vencedor desta saga?
É evidente que Ancelotti tem experiência, conhecimento do jogo e uma lista de virtudes, traduzidas em seu currículo único no mundo, que fazem dele uma escolha capaz de conduzir qualquer time ao sucesso. E, se isso acontecer, o futebol brasileiro terá algo além de uma sexta conquista mundial. Se já é difícil ganhar uma Copa, fazê-lo sob a imensa pressão de 24 anos de jejum é ainda mais desafiador. Vencer pode reformar todo o ambiente, criando um terreno menos hostil até para que os próximos talentos revelados no país se estabeleçam na seleção.
No entanto, num país que despreza processos, que limita toda e qualquer avaliação sobre a seleção brasileira a dividir Copas do Mundo entre as que foram ganhas ou perdidas, é justo se preocupar com o que uma eventual conquista nos Estados Unidos pode chancelar. Seria a validação, a legitimação do culto ao curto prazo, ao improviso, a vitória do desprezo aos projetos, um reforço de que os trabalhos devem ser julgados pelos resultados, e não pela forma como se chegou a eles.
A seleção brasileira precisa ser um polo difusor de boas práticas ao futebol nacional, este que demitiu sete treinadores em oito rodadas de Campeonato Brasileiro. E se a seleção vencer assim, a mensagem transmitida a todo o ecossistema do país será a reafirmação da ideia de que os caminhos importam menos do que os resultados. Claro que qualquer time, em qualquer torneio ou modalidade, ambiciona vencer. Mas esta não é uma escolha disponível para nenhum time ou atleta. O que se escolhe é a forma de percorrer o caminho através do qual se tentará ganhar. É possível ganhar uma Copa do Mundo, este torneio cheio de aleatoriedades, das mais diversas maneiras. E o trabalho, num terreno em que tudo é possível, precisa ser o de ampliar as probabilidades. Foi isso que a CBF não fez desde o fim da Copa do 2022.
O futebol brasileiro pode se tornar um ambiente mais leve se for campeão do mundo em 2026. Ganhar o hexa seria uma realização do maior sonho de qualquer seleção ou jogador do mundo. Mas, ao mesmo tempo, pode ser um grande desserviço. É paradoxal, pode soar absurdo ou frio demais, mas foi nesse território que o futebol brasileiro foi colocado.
Ancelotti não tem culpa de nada disso. Chega à seleção um treinador experiente, que milita na elite internacional do futebol há 25 anos. Os 21 anos que separam sua primeira Liga dos Campeões como treinador e a mais recente conquista europeia não podem ser desprezados: o futebol se transformou muito rapidamente neste período, e Ancelotti foi vencedor em diferentes etapas do jogo. Não é um revolucionário tático, mas alguém com enorme capacidade de adaptação, especialista em acomodar talentos. Um homem capacitado para o projeto. O que não elimina os tantos aspectos incontroláveis da empreitada.
Os trabalhos de um treinador de clubes e de um selecionador cada vez se distanciam mais. Não existe o dia a dia, o tempo para o ajuste fino, para a elaboração de modelos mais sofisticados. Menos ainda quando se dá ao selecionador algo em torno de um ano e cinco convocações antes da escolha dos nomes que vão à Copa do Mundo. É impossível cravar, hoje, como Ancelotti vai se adaptar a um tipo de trabalho que nunca fez.
No fundo, a sensação é que a seleção nunca teve um projeto, nunca foi o projeto. O projeto, a rigor, sempre foi Ancelotti, porque acreditamos nos nomes como salvadores, acima das práticas. Esperamos tanto tempo pelo italiano que jogamos fora até a chance de colher benefícios tão importantes quanto as vitórias. A presença de um treinador deste porte no Brasil deveria partir de um objetivo: integrá-lo ao ambiente local, permitir a troca de experiências e métodos com treinadores e clubes do país. Mas não haverá tempo.
Ancelotti foi contratado para tentar entregar o mais incerto e incontrolável dos objetivos: ganhar uma Copa. Ele e Ednaldo serão julgados por resultados. A seleção pode ser campeã e, ainda assim, o futebol brasileiro pode não sair vencedor.