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Da saidinha à Seleção, Diniz rea carreira e combate rótulos: "Viver com medo não vale a pena" 311b2h
Técnico diz que trabalho no Cruzeiro "não aconteceu", conta bastidores de agem pela CBF, analisa perda de identidade do futebol brasileiro e revela proibição em seus times (e não é chutão) 2l334t
Publicado em: 25/04/2025 | GLOBOESPORTE.COM / ALEXANDRE LOZETTI, BRUNO CASSUCCI E ERIC FARIA 64p3r
A bola saía do pé do goleiro para o do zagueiro do Audax. Chegava ao lateral, voltava ao camisa 1 e era direcionada a outro defensor. A cada e como esses, meio mundo se encantava com a coragem do modesto time comandado por Fernando Diniz, vice-campeão paulista em 2016, e outra metade se indignava com tamanha ousadia num ambiente dominado pelo medo de perder.
Aquele treinador outrora ridicularizado adentrou o ambiente dos grandes clubes, ganhou títulos, inclusive a inédita Conmebol Libertadores pelo Fluminense. De maneira atabalhoada, é verdade, chegou à seleção brasileira. E mesmo assim, quase dez anos depois, os exércitos dos que o amam e daqueles que não querem vê-lo pintado de ouro no seu banco de reservas se mantêm na ativa.
Ainda que a imensa maioria das equipes da elite tentem sair jogando com es curtos, detratores atribuem a Diniz a invenção, execução e consagração da maldita "saidinha". Amadurecido pelo tempo, pela vida e até pelas críticas, ele se diverte. E jura de pés juntos e semblante tranquilo que nenhum dos rótulos é verdadeiro: a) seus zagueiros não só podem, como em certas ocasiões devem dar chutões; b) a bola longa é cada vez mais treinada como alternativa; c) não é preciso ter grandes jogadores para executar essa proposta, o importante é ter coragem e disciplina.
O item mais aconchegante aos ouvidos do torcedor: não se trata de mero capricho, e sim do que Diniz entende ser o caminho mais curto e próspero para a vitória.
– Eu gosto muito mais de ganhar do que essas pessoas que só querem ganhar. No futebol, as pessoas só enxergam o resultado final. Não conseguem reconhecer quem trabalha, quem é talentoso, quem é bom.
"Ganhar" deve ter sido a palavra mais repetida por Fernando Diniz em mais de duas horas de entrevista ao Abre Aspas, do ge. Desempregado após um trabalho "que não aconteceu" no Cruzeiro, sua própria definição, o treinador se diz mais tranquilo e mentalmente saudável do que no último período em que ficou sem trabalhar, quando deixou o Fluminense. Fissurado em futebol, faz o de dezenas de partidas e as revê minuciosamente. O time que mais o encanta no momento é o PSG, treinado por Luis Enrique.
Diniz esmiuçou suas ideias, métodos e revelou fazer uma única proibição a seus comandados: não marcar.
Em 2023, Diniz viveu situação pitoresca. Comandou, simultaneamente, o Fluminense e a Seleção, enquanto o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, esperava por Carlo Ancelotti – a quem espera até hoje. No clube, sucesso absoluto com a conquista da América. Na Seleção, duas vitórias em seis jogos e a indelicadeza de uma demissão por telefone.
– Não era o ideal. A Seleção ficou prejudicada (com o trabalho duplo). Eu ava muito tempo no Fluminense, não consegui ir à Europa conversar com os jogadores, e estreitar relações é algo que tenho de muito forte no trabalho. E a Seleção também estava num momento de transição. O trabalho de campo foi muito bom. O desempenho foi melhor do que os resultados.
Ficha técnica
Nome: Fernando Diniz SilvaIdade: 51 anosProfissão: técnico de futebolClubes como jogador: Juventus, Guarani, Palmeiras, Corinthians, Paraná, Fluminense, Flamengo, Juventude, Cruzeiro, Santos, Paulista, Santo André e GamaClubes como treinador: Votoraty, Paulista, Botafogo-SP, Atlético de Sorocaba, Audax, Paraná, Oeste, Guarani, Athletico-PR, Fluminense, São Paulo, Santos, Vasco e CruzeiroTítulos como técnico: Campeonato Paulista Série A3 (2009), Copa Paulista (2009), Copa Paulista (2010), Cameponato Carioca (2023), Copa Libertadores (2023) e Recopa Sul-Americana (2024)
Abre Aspas: Fernando Diniz
Você desperta muitos elogios e críticas. O cara criativo, que pensa fora da caixinha, também foi chamado de maluco, inconsequente... Você percebe essa polarização que o seu trabalho gera? – Provavelmente, (isso acontece) pelas pessoas me identificarem como algo diferente. Eu acredito que a única coisa que não tem no meu trabalho é inconsequência, eu sou um cara extremamente responsável. Eu entrego a minha vida para o futebol. O que eu falo com jogador, falo aqui, falo publicamente, falo na minha casa, com meus filhos. Se eu precisasse morrer no campo, morreria feliz, porque eu tenho consciência da morte, eu vou morrer um dia, então eu entrego tudo aquilo que eu posso entregar.
– Quando tem críticas de fora, eu escuto, mas o poder de entrega que eu tenho é muito grande. Eu consumo futebol, eu vivo futebol, eu amo futebol e eu amo os jogadores de futebol, de poder fazer o melhor para eles e amo agradar a torcida. Mas, para agradar a torcida, eu pago o preço de fazer aquilo que eu acho que é o melhor e, às vezes, o melhor que acho não está muito dentro da forma que está por aí. Então, por conta disso, talvez tenha gente que anseia por algo que identifique em mim, que eu traga de novo, e tem gente que não queira. Mas as pessoas não me conhecem para me amarem ou odiarem.
Falo do seu trabalho, não de você como pessoa... – É que acaba misturando um pouco aquilo que eu faço, sabe? Eu entrego de fato a minha vida ali para o futebol. Eu sou uma pessoa que procura fazer as coisas com o máximo de profundidade. Eu prefiro um elogio vindo de uma coisa profunda, do que 100 elogios que vêm de uma coisa (superficial), o cara ela está ali porque ganhou. E essa é uma confusão que talvez esteja no cerne da questão do futebol e na sociedade também.
– Eu vou pegar o recorte do futebol: quando ganha é uma validação, quase tudo está certo. Isso é um erro muito grande, eu acho. Às vezes, quando ganha, tem ainda mais coisas a melhorar do que quando perde, mas ganhar e perder define muito quem é bom e quem não é bom. E eu não acho que seja assim necessariamente. A vitória é uma coisa que todo mundo quer e ela é muito importante. Ela só não pode ser a única coisa importante.
Mas o fato de você pensar assim não cria nas pessoas uma resistência? Do tipo: "Ele não está preocupado se vai ganhar ou perder?". Muitas vezes a gente ouviu esse tipo de crítica. – Tenho uma convicção muito forte: o jeito de pensar me aproxima muito mais de ganhar. E eu gosto talvez muito mais de ganhar do que essas pessoas que só querem ganhar. Para você poder ganhar mesmo na vida, ser um p... vencedor, você não pode ter medo de perder. É uma maneira de falar para as pessoas que você não tem que ter medo de perder para poder ganhar, você tem que fazer as coisas não é para agradar num primeiro momento, é uma coisa que vai além disso. A vitória não termina no placar final do jogo. Às vezes, quando você ganha, o placar final do jogo é o início da sua queda. Eu acredito muito no trabalho que ganha. A vitória, pra mim, não é o placar final do jogo só, a vitória é todo dia. Quando você consegue colocar na cabeça dos jogadores principalmente que é todo dia ganhar, a chance desse time bater campeão é muito grande. E para ele continuar sendo campeão é maior ainda.
– E esse é um dos problemas que a gente tem: quando ganha, você continuar, trabalhar como um grande vencedor. Porque as pessoas querem ganhar assim. Eu sou um cara mais focado no trabalho que ganha do que na vitória final só. Eu faço muita coisa, mas muita coisa para poder ganhar, talvez muito mais do que a maioria, porque não é uma questão de falar, é uma questão de viver a vitória. É um processo mais complexo. Quando você ganha não sendo muito bom, a chance de ganhar de novo diminui muito. Você vai perguntar para todo mundo e vão dizer: o lugar que eu mais trabalhei foi com o Diniz, ele trabalha de manhã até uma da tarde, com sol, e trabalha e trabalha.
– Tem um problema que acho que o que aconteceu no Fluminense e claramente acontece nos times que ganham. Se eu tivesse conseguido no Fluminense implementar mais aquilo do que eu penso, teria mais chance de continuar ganhando. É que, infelizmente, quando ganhou a gente deixou de acreditar e se dedicar mais ao trabalho que ganha para ficar colhendo os frutos da vitória. E aí você para, por isso que não termina. Talvez ali poderia ter sido só um começo de ter uma era ainda mais vencedora do que aquela que foi no Fluminense.
Você consegue identificar por que essa segunda etapa no Fluminense não conseguiu ser cumprida? – É complexo. Isso acontece com quase todo mundo. O Fluminense tinha 120 anos de história, nunca tinha ganhado a Libertadores e tínhamos naquela ocasião a 11ª folha (salarial) do Brasil. Isso é um fato inédito, provavelmente não teve nenhum time com a 11ª folha do Brasil que ganhou a Libertadores. Isso faz do Fluminense uma coisa diferente. Não é igual ganhar no Fluminense, nas circunstâncias que eram em 2023, e ganhar no Flamengo. O torcedor de time grande no Brasil sempre vai querer que o time dele bata campeão de tudo, não interessa. Na época da Unimed, o Fluminense era o time que tinha mais chances de ganhar, hoje é o Flamengo e o Palmeiras. Aí tem o Botafogo, que no ano ado ganhou. Contrataram o Luís Henrique, não lembro se foram 20 milhões de euros, e o Almada. A gente tentou o Luís Henrique por muito menos, e o Fluminense não conseguiu contratá-lo. Foi a única contratação que eu pedi, a gente não conseguiu.
– Aquele Fluminense do outro ano (2024) precisava de ainda mais trabalho do que teve em 2023. Porque o time iria se fragilizar, o Nino ia sair, os jogadores que eram experientes já estavam um ano mais velhos, a gente não tinha como fazer muita reposição, tentou o Luiz Henrique. A gente tentou tudo o que podia fazer e não conseguiu. E aí se você não melhora a sua capacidade de trabalho... Você é um time mais visto, as pessoas vão ter mais desejo de ganhar de você, então tudo fica mais difícil para fazer a manutenção. O que é o certo? Conseguir melhorar. Com jogador, trazendo mais gente fresca e, no trabalho em si, dar um jeito de falar: nós não temos tempo para comemorar, precisamos seguir adiante. E é super difícil.
Como tem sido essa fase atual da sua vida e carreira? Você lida bem com o desemprego? – Eu gosto de trabalhar, mas neste momento estou muito bem, acho que precisava desse tempo para refletir mais até do que quando eu saí do Fluminense. Eu acabei por sair muito mexido, muita coisa aconteceu naquela naquele momento e confesso que demorei um pouco para me refazer. Acabei indo para o Cruzeiro e agora esse momento está sendo ótimo para mim. Todo o aprendizado desse tempo, de 2022 para cá, tudo que aconteceu começou a encontrar bons lugares dentro de mim para ir se acomodando. Tem sido um período de consolidação, de muito aprendizado nesses últimos três anos.
Sobre o que exatamente você acredita que precisava refletir: sobre o jogo em si, a forma de se relacionar com os demais profissionais do clube, atualizações do futebol que, quando empregado, fica difícil acompanhar? – Eu acho que são todas essas coisas que você citou e mais aquelas que não vieram à sua cabeça no primeiro momento. Acredito que (foi em relação ao) ambiente maior do futebol, acho que é o que eu consegui mais refletir, perceber um pouco melhor no ambiente que a gente está envolvido. Tem uma mania das pessoas que me irrita no futebol, uma mania cada vez pior de achar que as soluções são fáceis, e a gente vai conseguir num piscar de olhos. O torcedor quer que a gente resolva com facilidade, porque esse é o papel do torcedor, ele está lá para torcer. E o papel da gente é quase o oposto.
Sua imagem, seus pensamentos, tudo está sempre muito presente na imprensa, nas redes sociais, principalmente naquele período de sucesso no Fluminense, quando você também acumulou o cargo de técnico da seleção brasileira. Em algum momento teve efeitos colaterais para você e quem estava ao seu lado? – Não me fez mal. Simplesmente foi um caminho muito natural na minha trajetória. A minha atitude perante ao jogo foi uma coisa que aprendi muito quando joguei futebol. Ser treinador foi um aprendizado na época que eu joguei, de como que eu iria me comportar, das coisas mais importantes. Havia uma coisa que me feria muito: pessoas determinavam o seu valor por uma bola que entra ou não. Aquilo nunca fez sentido para mim e era muito agressivo. Achava que aquilo não era o mais correto nem para a vida e nem para o futebol. Eu fui me preparando nesse sentido, sem perceber, e acho que é a base fundante daquilo que eu penso sobre a vida, sobre o futebol: você ter convicção de fazer aquilo que você acredita que seja o mais correto, o mais justo, o mais ético e não ceder com facilidade aos anseios das superficialidades que vêm de fora o tempo todo.
– Fiz esse preâmbulo para chegar a esse ponto: quando acumulei o Fluminense com a seleção brasileira, eu estava muito pronto emocionalmente para lidar, gostava do ambiente da Seleção, talvez o ambiente de maior pressão que tenha no futebol. Era a exposição de alguém que estava preparado para a exposição. Sempre fui muito questionado desde quando comecei, segundo as pessoas, por pensar diferente. Mas sei que penso diferente por conta do retorno das pessoas, para mim é um pensamento comum, porque é o meu pensamento, de procurar fazer o melhor e de não ceder aos anseios do outro, porque o outro não sou eu, tenho que tomar as minhas decisões e saber aquilo que eu quero. Talvez isso seja uma coisa que incomode as pessoas.
– Essa pergunta uma hora iria vir: por que as pessoas amam, odeiam, reagem com você? Talvez elas reajam porque sou um cara que aprendi ao longo da minha vida como jogador, à base de muito sofrimento, que não vale a pena ceder àquilo que você é. Se as pessoas me criticam hoje, tudo bem, porque elas estão me criticando por aquilo que eu sou. Ou supostamente àquilo que as pessoas enxergam de mim, porque também as pessoas não te conhecem. Quem me conhece são as pessoas que convivem comigo. Às vezes a pessoa está falando muito mais dela do que de mim. Então você vai aprendendo a relevar, absorver críticas, a aprender com algumas críticas.
Há uma incompatibilidade entre quem você é e quem as pessoas entendem que você seja ou querem que seja. Gostaria que você dissesse quem você é e como você acha que as pessoas te veem. – Diferente da imagem que eu o, sou uma pessoa somente aberta, gosto de aproximação, de conversar, não gosto de muita formalidade, nunca fui de dar muita entrevista, mas de bater papo e poder aprender com as pessoas é uma coisa que estou sempre aberto. O que eu não falo de ceder é você não ceder aquilo que é como essência, naquilo que acredita. Eu vejo as pessoas sofrendo, isso é uma derrota, um sofrimento que não tem volta. Quando você cede, você se perde, não sabe quem você é.
– Durante a minha vida de jogador me defendi muito para preservar aquilo que eu era, confesso até que poderia ter jogado melhor porque estava quase sempre em estado de sofrimento, porque parecia que as pessoas queriam me puxar cada hora para um lado, não te encorajando. Essa é uma coisa que eu procuro fazer com os jogadores, seja aquilo que você pode ser e tenha coragem para errar, a gente está aqui para poder permitir que você seja o melhor que você pode ser. E se não tiver coragem para se mostrar, para se abrir, você nunca vai saber o que você é.
– A gente tem uma vida só para viver. E viver com medo, se esconder daquilo que você é, não vale a pena.
– Eu gosto daquilo que sou, independente do que do julgamento das pessoas. Elas estão livres para julgar da maneira que elas acharem necessário e da maneira que melhor convier para elas. Mas eu sou um cara super tranquilo, eu tenho muita alegria de ver a minha trajetória, da onde eu nasci, de como me formei, de como joguei, de como eu fui me tornando a pessoa que eu estou me tornando.
Você fala muito em comunhão de diferentes setores para ter tido sucesso no Fluminense, por exemplo. Na seleção brasileira faltou muita coisa em relação a isso? – Obviamente que não é o ideal você acumular clube e seleção. E acho que a Seleção foi prejudicada nisso, porque eu já estava no Fluminense, ficava o tempo todo lá. E enquanto eu estava no Fluminense, não pensava na Seleção, eu conseguia separar bem. Quando eu ia para a Seleção, também não pensava no Fluminense, mas era muito pouco para a Seleção. Eu não conseguia acompanhar os jogos, não conseguia falar com os jogadores, não conseguia ir à Europa para conversar. A Seleção estava no momento também de transição de geração de jogadores e de gestão também. No meu período, a minha conexão com o presidente (da CBF) era Claudinha (gerente istrativa), que está lá há muitos anos. Não tinha um diretor de seleções, um coordenador. A gente se reunia com o pessoal da análise (de desempenho). Com as coisas que tinha, a gente procurou fazer o melhor.
– Começou muito bem, e o trabalho de campo foi muito bom. Digo os treinos, não resultado dos jogos. A gente trabalhou muito, as ideias estavam sendo assimiladas, e o futebol também. Tem coisa que foge da mão, por exemplo, o jogo da Argentina. Foi um jogo em que a gente jogou melhor, a Argentina teve só uma finalização e ganhou o jogo de 1 a 0. Contra a Colômbia, na última perna (das Eliminatórias em 2023), jogamos muito bem, fizemos um gol, poderíamos ter feito o segundo, até o terceiro. Aí o Vinícius Junior, que estava sendo o melhor jogador do nosso time, se machuca, tem que fazer a troca. A Colômbia cresce e tinha aquela comoção por conta da libertação do pai do Luís Díaz, o jogo mudou. Tem também o jogo da Venezuela, em Cuiabá, em que o normal daquele jogo seria uns 3 a 0 para o Brasil. A gente fez um gol, depois perdeu um monte de contra-ataques, teve bola na trave e toma um gol no final do jogo.
– Os resultados não foram de encontro com aquilo que a equipe produziu. Mas isso não é desculpa, na Seleção você tem que ganhar. Se você não ganha, não tem muita explicação. Acho que, se a gente tivesse tido mais tempo, tempo de qualidade, só para a Seleção, teria feito muita diferença. Depois, se tivesse seguido, tido uma continuidade até o fim do contrato, que era na Copa América, em que eu trabalharia 30 ou 40 dias com os jogadores, certamente teria me ajudado.
Você já tinha definido o que faria naqueles seis meses de contrato que tinha pela frente? Deixaria o Fluminense e se dedicaria somente à Seleção? – Isso era uma possibilidade que estava na minha cabeça. Em princípio, o presidente Ednaldo (Rodrigues, da CBF) tinha conversado comigo e com o Mário (Bittencourt, presidente do Fluminense) e deixado muito claro que ele não iria me tirar do Fluminense e que eu seguiria conciliando os dois trabalhos até o final do meu contrato com a Seleção. O que foi combinado era que eu continuaria nos dois cargos. Agora, com o que aconteceu no Fluminense, valia provavelmente uma conversa. Não que isso fosse acontecer, mas não deu nem tempo.
– Mas era uma possibilidade. Ou não. Poderia falar assim: "vamos continuar e depois vai ter a parada na Copa América". Eu continuaria acumulando os dois trabalhos e teria um mês, 40 dias, para poder treinar o time para a Copa América e depois ver o que iria acontecer. Você pode fazer as duas leituras: de que não foi o combinado e também de que foi o combinado. Porque tinha uma conversa do Ancelotti vir e eu sair. Então, como o Ancelotti, segundo essa conversa, não iria vir mais, o que o presidente me falou foi: “o Ancelotti não vem, e a gente precisa efetivar um treinador. Eu falei para o Mário que não iria te tirar do Fluminense, então você vai sair por aquilo que a gente combinou". Essa foi a história, e o que foi conversado abria espaço para esse tipo de interpretação.
Mas ele não deu nem a oportunidade de você pedir para ser efetivado na Seleção e deixar o Fluminense? – Não. Isso eu falei para ele por telefone, mas ele tomou a decisão que achou melhor para a Seleção. Isso eu falei para o presidente: "você gostou do trabalho? Você vê condição de a gente continuar?". E ele preferiu fazer a interrupção e colocar outro nome.
A questão do Ancelotti era conversada abertamente desde o início? Porque na época você evitava falar sobre o assunto. – Isso foi uma coisa absolutamente aberta, muito clara.
Que você soube que ele não vinha mais? – Eu só soube quando fui demitido. "Ele não vem mais, então vamos mudar o plano". Obviamente, a gente sabe que os resultados e aquele incidente do jogo da Argentina no Maracanã... A gente perdeu o jogo e teve aquela briga, aquela confusão da arquibancada. O momento político da CBF também era ruim. Obviamente, se tivesse ganho as seis partidas não teria a interrupção.
Você se sentiu desrespeitado? – Eu acho que isso foi um erro. Na minha concepção, ele (Ednaldo) tinha que ter conversado comigo pessoalmente e ter falado para resolver de uma outra maneira. Eu acho que isso tinha que ter sido tratado de uma outra forma, não do jeito que foi.
Você foi demitido por telefone? – Foi. Primeiro o presidente Ednaldo procurou o Mário e depois me procurou, por telefone. A maneira do desligamento não foi a melhor. Com certeza não foi a melhor. Eu acho que tinha que ter uma conversa e é direito total do presidente de mudar, a responsabilidade é dele, mas o desligamento poderia ter sido feito de outra forma.
Durante o tempo em que você ficou na Seleção, quantas conversas ele teve com você? – Não foram muitas conversas. A gente conversava mais, obviamente, no período da minha contratação, e nas concentrações da Seleção. Eu também estava no Fluminense, não tinha muito espaço para conversar. A gente não conversou muitas vezes, mas nunca tive problema em conversar com ele.
Até pela sua experiência, você tinha desconfiança do sucesso do trabalho daquela maneira? – Não, não. Eu sempre acreditei que iria dar certo. Acho que dependia muito da relação com os jogadores, de como que você consegue se conectar com eles e treino. Com a qualidade que tinha a Seleção e da maneira que eu trabalho, a chance de dar certo, para mim, era muito grande. Essa coisa que não é do campo você não tem controle absolutamente nenhum, ainda mais eu acumulando as funções da Seleção e do Fluminense. Mas eu acreditava muito no trabalho do campo com os jogadores. Era um momento de muita transição de jogadores. Casemiro, Thiago Silva....
– Sobre o Thiago Silva, se a Copa do Mundo fosse naquele momento, falei com ele depois que o encontrei no Fluminense, ele seria convocado e seria capitão. Ele foi um dos melhores jogadores da Seleção na Copa. Só que projetando para a outra Copa, se a gente tem o Thiago Silva e o Marquinhos o tempo todo, você não iria formar um outro zagueiro. Eu pensei no processo, de achar outros nomes, pois não sabia como iria chegar o Casemiro na outra Copa e outros jogadores. Eu tinha que pensar no que era melhor para a Seleção, dar jogo para esses jogadores para saber quem iria se sentir confortável, poder permanecer e ir ganhando condição de ser um jogador bem formado para chegar na próxima Copa do Mundo.
O Juninho Paulista sai depois da Copa, e o Rodrigo Caetano só chega em 2024, após a sua saída. Como eram tomadas as decisões sensíveis, por exemplo, a não convocação do Paquetá? – Tinha o estafe, o pessoal que trabalhava direto para a Seleção, como o Guilherme fisiologista, o pessoal da análise de desempenho, a Cláudia (gerente istrativa), o Hamilton (Correia, responsável pela logística), era uma coisa muito enxuta, não era o ideal. E a gente conseguiu resolver bem essas questões, como o corte do Paquetá, que a gente ficou sabendo, sei lá, 15 minutos antes da minha primeira convocação. Foi uma decisão que a gente compartilhou, mas eu que iria anunciar a convocação e falei absolutamente a verdade. Foi uma decisão minha quando estourou a investigação, porque a gente estava tendo esse tipo de procedimento aqui no Brasil, não podia mudar porque era a Seleção, né? Na minha cabeça não fazia sentido.
– A gente teve um caso no Fluminense de um jogador envolvido com aposta e também outros (no Brasil). Tinha que usar (o mesmo critério) para ser uma coisa ética e para ter tempo até para o Paquetá conseguir ficar bem e esclarecer. E é uma coisa que até hoje não esclareceu, né? Mas eu preferi privar a Seleção tecnicamente naquele momento pensando numa coisa maior, numa coisa ética, numa coisa moral de fazer a coisa certa. Foi uma decisão que não me arrependo.
Mas o ideal seria ter um dirigente contigo tomando essa decisão? – Ideal era ser como é agora. Não tinha ninguém. Vamos comparar com o que aconteceu depois. Onde não tinha ninguém, hoje tem três, o Caetano, o Cícero e o (Sérgio) Dimas para auxiliar, que é o ideal mesmo, como tinha na época do Tite. Mas naquele momento foi o que tinha para fazer. A gente tentava fazer o melhor possível.
Você cultiva uma vontade de um dia voltar à Seleção numa condição muito melhor do que teve? – Eu acredito que sim. Foi uma experiência que eu não me arrependo absolutamente de nada, na minha vida foi extremamente rico, foi muito bom para mim aquilo que aconteceu, aprendi coisas novas, tive relações. Repito: foi um ambiente em que eu me senti muito à vontade. Desde que estava no Votoraty eu não faço distinção, eu trabalho como se o dia fosse terminar e não tivesse o amanhã. O Votoraty para mim já era a Seleção. A Seleção, para mim, é uma coisa você carrega dentro, não é o escudo, a CBF, é muito maior do que isso, é o sentimento do povo, é aquilo que eu sentia quando era criança com a seleção de 82. É uma coisa que nos representa muito como nação, como o povo, está em mim e vai estar a vida inteira, independentemente se eu voltar um dia. Se eu for convocado, vou servir com a maior alegria.
Você trabalhou pouco tempo com o Neymar na Seleção. No começo deste ano, o Jorge Jesus falou da questão física dele e de, supostamente, o Neymar não conseguir acompanhar o ritmo dos demais. Até pela sua preocupação com o lado humano dos atletas, gostaria de sua análise sobre o momento do Neymar e também que você contasse como foi o convívio com ele. – O que eu penso do Neymar: acho que, de fato, ele é uma aberração. É um termo que cai bem para ele. Dificilmente nasce outro Neymar em poucos anos, é muito difícil nascer um cara com as competências que ele tem. É um jogador de futebol extremamente espetacular em todos os sentidos, com talento natural. Deus foi muito generoso com o Neymar. É uma pessoa extremamente generosa, um cara que não compete com os pares, com as pessoas que estão ao lado, um cara que gosta de servir, que não incomoda. No tempo que tive com ele não me deu trabalho em nada, em treino... Você sabe que eu treinei bastante e nunca (deu trabalho), muito pelo contrário, foi super solícito, solidário a mim.
– Para o futebol vai ser ruim se o Neymar um dia não for considerado o melhor jogador do mundo. Pelo talento era para ele ter ganho algumas Bolas de Ouro. Neste momento que ele vive é uma coisa muito complexa ser o Neymar, acho que ele carrega um monte de coisa. Quando estive na Seleção, sempre tive um desejo muito grande de contribuir para que o Neymar conseguisse romper aquilo que ele precisava romper e conseguir ser campeão do mundo, ganhar pelo menos uma Bola de Ouro para coroar o talento que ele tem.
– Ele é um cara muito generoso, mas o que falta? É difícil falar o que falta. Na convivência que eu tive com o Neymar queria estar mais perto e participar para poder oferecer talvez coisas que o ajudassem a seguir na vida com menos lesão, com mais prazer em jogar futebol, totalmente imerso no futebol. O futebol meio que escolheu o Neymar, ele é um cara muito privilegiado. Eu fico muito triste quando acontecem os episódios de lesão do Neymar, que é uma coisa que acontece um pouco por conta dessa última lesão que ele teve (no joelho). Sempre quando tem uma lesão de ligamento cruzado de joelho e fica um ano parado, quando volta episódios de lesão muscular não são raros até você conseguir se equilibrar. É sempre complexo saber como vai ser daqui para frente. Eu torço muito para que ele consiga ficar bem fisicamente, porque ele ainda tem um talento espetacular e eu acredito muito que ele pode conquistar o mundo ainda. Depende muito daquilo que vai acontecer, de ele conseguir ter saúde física para seguir.
Antes da sua estreia na Seleção, o Neymar concedeu uma entrevista coletiva e se mostrou encantado com os dias de treinamento com você. O que você fez naqueles dias e por que esse encantamento não se traduziu em resultados? – Eu acho que no primeiro momento traduziu, foi uma boa vitória em cima da Bolívia, depois a gente ganhou fora do Peru. A gente sempre teve um processo de lesão ali no meio, o Vinicius Júnior não foi na primeira (convocação), depois o Martinelli não veio, o Neymar machucou, depois o Casemiro e o Danilo. E era um momento também de volta das férias da Europa, que é uma coisa que acho que teve um pouco de interferência nisso tudo. É muito difícil pontuar uma coisa, mas acho que a transição, a mudança de jogador, a lesão do Neymar... No fundo, o Neymar teve uma aderência muito grande àquilo que eu estava pensando como estilo de jogo e para ele. O Neymar se machucar naquele jogo do Uruguai foi um baque para a sequência um pouco.
– Mas é muito difícil você explicar o encantamento. No futebol, quando você não ganha, gera uma pressão muito grande. E é isso mesmo que acontece, nunca vai mudar, a gente tem que saber que isso vai acontecer e tem que conseguir ganhar jogo. Se a gente ganha o jogo da Venezuela, por exemplo, provavelmente não iria ter o incidente da pipoca (atirada em Neymar após o jogo), a confusão que teve, iria para o Uruguai já com outro astral. Não é justo você analisar um trabalho com seis jogos.
Nessas circunstâncias, você acha que jogadores mais experientes fizeram falta? – Eu acho difícil, viu? É uma coisa que não dá pra gente explicar. No jogo da Argentina, pelo que aconteceu, se tivesse um jogador experiente ou dois, não iria modificar nada. O Brasil jogou a final da Copa América contra a Argentina no Maracanã e perdeu também. Nesse jogo em que perdemos da Argentina especificamente a gente marcou muito. Foi um jogo que a gente foi muito viril na marcação. A gente meio que anulou o jogo da Argentina.
O Messi apareceu pouco... – Exatamente. Eles tiveram só uma finalização no gol, que foi a bola que entrou, então não dá para explicar. Se tivesse o Casemiro... Nesse jogo especificamente eu acho que não foi isso.
Ao mesmo tempo em que havia relatos dos jogadores encantados com seus treinos, tinha uma discussão se um jogo tão autoral como você propunha era possível de ser implementado com tão pouco tempo de treinamento. Poderia ter aberto mão de algumas ideias para buscar resultados mais imediatos? – Eu acho que foi implementado aquilo que dava para ser implementado. E o resultado escapa. Você fala assim: "o time jogou mal contra a Argentina por conta das ideias". Mas não foi, foi um jogo mais tradicional, difícil em tese e que o time jogou bem. A gente discute muito o resultado, sabe? Agora pode fazer coisa diferente? Sempre pode fazer coisa diferente e coisa melhor, mas não necessariamente se tivesse tido uma outra ideia iria dar certo. A ideia faz parte muito mais parte do processo positivo do que do negativo. [...] Só que quando você não ganha o jogo a análise fica muito contaminada. Se você pegar o desempenho, ele foi melhor do que os resultados. E às vezes o resultado é melhor do que o desempenho. Mas não dá para falar assim em "abrir mão da ideia". Eu abro mão.
– Eu não tenho uma ideia que tenho que defender, isso é um mito que as pessoas criam. O jogo que eu proponho vai acontecer se der certo fazer aquele jogo, tem sempre alternativas para fazer. Alguém inventou um dia que o time é proibido de chutar a bola para frente. Isso é quase que uma imbecilidade. Não tem sentido nenhum.
– Talvez a gente tenha sido um dos times que mais chuta a bola para frente em todos os times que eu trabalhei. Se você contabilizar quantas vezes o goleiro chutou para frente, você vai ver. Porque a gente usa o goleiro. Então, ao usar o goleiro, tem hora que ele vai sair curto, tem hora que ele vai sair longo. Mas, como tem uma característica muito forte de sair curto, o cara não contabiliza o longo. Aí vende-se uma ideia de que só faz jogo curto, e é mentira, é absolutamente mentira desde sempre.
– As ideias são para aumentar a chance de ganhar, não para aumentar a chance de perder. Eu tenho que ir melhorando na condição tanto de sair melhor curto como de sair melhor longo. É melhorar as coisas, não é abrir mão assim. No campo sempre tem saída. Se tem uma pressão muito forte, sempre tem um jeito de você sair daquela pressão. Pode ser que você não consiga naquele momento e, se você não está conseguindo, tem que fazer bola longa. Mas você tem treino e tem vídeo para descobrir outras maneiras de sair jogando, que é o que eu faço. Parece que é a mesma coisa, mas não é. Se você pegar uma análise de desempenho que joga contra mim, ela vai falar: "era assim, mas depois do outro jogo era diferente". Parece que é a mesma coisa, mas não é. O conceito é parecido, mas a maneira de fazer eu sempre estou melhorando para que aquilo seja uma coisa que o adversário não consiga marcar.
No começo da sua carreira, os times no Brasil ainda não tinham o hábito de fazer uma pressão na saída de bola. Então hoje, como a maioria dos times sabe pressionar melhor, a bola longa ou a ser uma alternativa. Mas é uma bola longa diferente da que era comum no ado, menos estratégica, só para tirar o time de trás. – Tem sentido, sim. O que não talvez a gente discorde é o seguinte: sempre teve uma possibilidade treinada de bola longa. Tem os momentos do jogo, e eu vou separar em três: 1) você vai conseguir com a bola por construção mais curta; 2) você vai atrair para fazer uma bola longa estratégica; 3) e tem outro que você vai sair curto, o cara vai te encurralar e você vai chutar como opção. Sempre teve os três momentos comigo, desde o Audax. Mas as pessoas acham que não. O cara bota o rótulo e às vezes não está enxergando o que está acontecendo no jogo. A gente faz muita bola longa por necessidade desde o Audax. O jogador não é burro. Faz duas, três, os caras estão levando vantagem, os jogadores começam a chutar. Aí vende-se que só tem aquele jeito de jogar.
– Os caras falam “saidinha do Diniz'. Se contabilizar o número de gols que a gente fez saindo, com o goleiro participando, é um absurdo! Só que demora para sair o gol, a televisão nem tem tempo para mostrar no Globo Esporte. Mas, quando perde a bola perto do gol, é instantâneo. Aí aquilo está errado.
– É uma coisa que não tem racionalidade, é só emotiva. Se você vai contabilizar, saiu jogando, fez 20 gols e tomou um. Pode ser ruim? Mas os caras desinformam o torcedor dizendo que aquilo é ruim. Aí cria uma tensão toda vez que a bola está ali (no campo de defesa) que aquele gol que aconteceu pode sair de novo, mas aqueles 20 gols que foram feitos não são mencionados porque parece que não foram feitos por conta do jeito de jogar. Aquilo ali é uma questão mais de coragem para fazer as coisas e você emocionalmente ficar equilibrado para enxergar, porque não é tão difícil jogar atrás. É difícil furar as linhas baixas (de marcação) lá na frente. Sair jogando com bons movimentos, com bons treinamentos e você ando confiança para o jogador é uma coisa que dificilmente vai dar errado. Se você contabilizar o número de gols que tomei na minha carreira inteira jogando dessa forma, é um número muito pequeno, só parece que é arriscado.
Você tomou mais gols de escanteio do que saindo jogando com o goleiro... – Muito mais. Contra o Inter, na semifinal da Libertadores (de 2023), nós fizemos dois gols faltando poucos minutos para acabar começando a jogar lá de trás. Mas o cara não fala porque começou lá de trás. Isso é uma convicção que você tem que ter e às vezes ir contra um monte de desinformação. Se aquilo ali fosse ruim, o Fluminense provavelmente não teria ganho a Libertadores. Então você fica com um peso, você tem que acreditar muito no que você faz, porque as pessoas ficam criando um círculo em que a sua chance de errar é quase zero, você não pode errar nunca. E eu insisto naquilo não é por teimosia, é uma questão de inteligência. Eu saí da A3, com o Votoraty, fui campeão da Libertadores com Fluminense, quase fui campeão com São Paulo, fui para a seleção brasileira, por que isso aqui está errado? E o cara continua a falar que está errado. O cara pode gostar ou não gostar, mas isso aqui é uma coisa que deu resultado e vai continuar dando resultado.
– Eu estou o tempo todo trabalhando, estudando e procurando melhorar aquilo que eu faço. Tenho um monte de problema para resolver sempre. Só que não são os problemas que as pessoas querem colocar. Às vezes as pessoas atacam as qualidades que eu tenho, eu sei que são qualidades. Então isso eu falo: "não vou ceder da minha qualidade porque o cara acha que está errado. Agora eu vou melhorar. Se o time não está ganhando ou se o time fez uma campanha ruim, se as coisas não vão acontecendo, tem coisas para melhorar, precisa descobrir.
Tem alguma coisa nos seus times que você não pode fazer? – Ah, tem: não ajudar a marcar. Eu acredito para c... que todo mundo tem que marcar. Tem cara que vai marcar menos , mas se todo mundo puder pelo menos se dedicar para marcar fica mais fácil. Acho que isso foi uma das coisas do aspecto tático que eu mais evoluí na minha carreira, foi a capacidade dos times de marcar. Os times que eu dirijo geralmente tomam pouco gol. O Fluminense ficou 28 jogos sem tomar gols de bola parada. Para você jogar com um jogador melhor no sentido tecnicamente, que foi acostumado a marcar, precisa fazer os caras se comprometerem a marcar. Porque hoje em dia o futebol não ite muito mais o cara ficar sem marcar. Se você pega PSG, Arsenal, Barcelona e Bayern de Munique, todo mundo marca. E marca pra c... não é mais ou menos. O cara perde a bola e volta que nem uma bala para trás.
O trabalho no Fluminense foi o mais vitorioso da sua carreira. Também foi o melhor? – Acho que por tudo o que aconteceu foi o Fluminense. Mas eu posso falar que teve três ou quatro meses no São Paulo, em 2020, que era um time não sabia treinar mal. É importante demais ganhar, porque senão não consolida nem no imaginário das pessoas e nem para você também. Eu sou um cara apaixonado por vencer também porque precisa consolidar as coisas. No São Paulo faltou consolidar, mas teve três ou quatro meses que foram brilhantes mesmo. Eu fiquei um um ano e meio no São Paulo, e a gente não contratou um jogador. Ao contrário, foi tirando os jogadores que lá estavam, perdeu os jogadores no meio do processo e não contratou, fomos dando chance para os mais jovens.
– Foi quase que o oposto do Fluminense, que venceu. No São Paulo, era um time mais focado em jogadores jovens, principalmente de frente. Mas, na reta final, por questões que a gente nunca sabe direito por que cede, muita coisa que aconteceu naquela reta final, a gente não conseguiu consolidar. Mas em termos de trabalho foi um momento meio mágico. Era um time que tinha resultado e era muito focado na capacidade de trabalhar. Com o trabalho, o time ficou muito coeso. Você vê que esse São Paulo era um time que não tinha ninguém que driblava, jogava com Sara e Igor Gomes nas pontas, Brenner e Luciano, tinha também Daniel Alves, Luan, às vezes o Tchê Tchê. Ficou repetindo muitas vezes essa formação, e os caras jogavam praticamente com um ou dois toques na bola o tempo todo e muito movimento. Era um time diferente, fazia muito gol e tomava pouco. É um trabalho diferente, que eu também tenho um carinho, mas não consolidou. Se consolida, talvez a gente estivesse falando de uma história diferente.
– Mas o Fluminense teve uma história de jogar bem, teve momentos em 2023 que a gente nem jogou tão bem, principalmente no Campeonato Brasileiro, mas os jogos de copa, principalmente a Libertadores, jogava bem. Era um time mais experiente, com jogadores mais acostumados a decidir e, em momentos agudos, esse Fluminense também foi muito brilhante. Ganhar de 4 a 1 do Flamengo na final, ganhar de cinco do River, ganhar de 10 a 1 em uma partida fora de casa na Copa Sul-Americana, o momento da despedida do Fred, que ganhou de quatro do Corinthians. Houve momentos agudos e importantes, de decisão, que os caras conseguiram se superar e jogar muito bem. Então acabou marcando pelo futebol praticado e, claro, pelas conquistas. O Fluminense é considerado o melhor trabalho, e eu também acho que foi.
Ao olhar para trás, já com o distanciamento emocional que o tempo proporciona, você consegue identificar por que aquele trabalho do São Paulo não se consolidou com um título? – É muito difícil falar. Eu sempre falo disso quando tenho oportunidade: a troca de gestão. Aquele São Paulo era um trabalho de muitas mãos, de ambiente muito positivo, de pessoas ali envolvidas no processo de lidar com o jogador, que acabaram favorecendo que as coisas acontecessem da maneira que acontecia no campo. Teve a pandemia e a eleição (presidencial do São Paulo) era em dezembro, mas o campeonato terminaria só em meados de fevereiro, quase março, era um momento de transição que eu acho que teve um impacto grande. É difícil você não colocar isso na equação. E não é por conta das pessoas, é por causa do momento de transição. Quem vai chegar tem a sua cabeça e tem o seu desejo de mudança, e a gente sabia que tinha esse desejo de mudança, então isso foi um impacto. Isso foi uma coisa que impactou o time, foi uma coisa meio instantânea, no momento da transição o time degringolou.
– As pessoas às vezes associam alguma coisa com o incidente do Tchê Tchê, mas não, não foi isso. Isso foi uma coisa que no outro dia estava tudo ok. Como time, a gente já tinha resolvido essa questão. Eu acho que essa questão da mudança da direção naquele momento foi uma coisa que pesou, mas não foi só isso. É difícil explicar. O time perdeu confiança e depois não é que foi caindo, estava assim (para cima) e foi assim (para baixo). Eu não consigo explicar. Eu falo sempre da mudança, que é uma coisa que de fato aconteceu, mas não dá para falar que foi só por causa disso. Tem gente que fala: "foi depois do negócio do Tchê Tchê". Talvez seja um pouco dessas duas coisas e mais outras tantas que possam ter acontecido. Do jeito que estava, tinha uma pinta muito grande que o time nem precisa muito mais da interferência do treinador. O time fazia jogos em que tinha muita pouca correção para fazer, era quase que uma coisa automática, um jeito de jogar. E naquele momento ali teve uma quebra e uma oscilação para baixo, muito forte.
Qual foi aquele trabalho que não deu certo, que deixou uma frustração ou que você olhe para trás com algum arrependimento? – Arrependimento eu não tenho de nada, pelo contrário, porque às vezes os trabalhos que você não consegue executar acabam gerando um monte de aprendizado, e para mim é o que vale. Mas um trabalho recente que não aconteceu foi o Cruzeiro. No Cruzeiro não teve nenhum momento brilhante. Em todo lugar que eu fui desde o começo da minha carreira teve pelo menos um momento brilhante, de ganhar quatro ou cinco jogos seguidos, fazer goleadas. O Cruzeiro era muito trabalho, eu trabalhei muita coisa, muito, e o time às vezes jogava bem, não ganhava. E as vitórias sempre geram um pouco mais de confiança. Foi um trabalho estagnado.
No fim de 2024 você deu uma entrevista em Caxias do Sul em que demonstrou já não aguentar mais aquela situação no Cruzeiro, estava de saco cheio. Mas mesmo assim você permaneceu e iniciou a temporada 2025. O que te fez acreditar que aquele trabalho ainda poderia dar certo? – No fundo, naquele momento ali foi uma luta para permanecer, né? Eu falei o que queria, expus muito claramente as coisas que achava que eram equivocadas. No futebol a gente adoece e padece desse mal. Para mim, é meio inconcebível, o trabalho para mim não funciona, e no Cruzeiro não funcionaria comigo. Porque existe uma diferença muito grande daquilo que eu penso e que as pessoas talvez estejam por cima de mim pensam. Não dá para chegar na quinta-feira e falar assim: "Está tudo certo, isso aqui vai dar certo". Nós empatamos um jogo contra o Grêmio, jogamos muito melhor, mas ficou 1 a 1. Aí am mais dois jogos e na outra quinta-feira já mudou tudo.
– É aquilo que eu luto a minha vida inteira contra: as pessoas não te enxergam no futebol, as pessoas só enxergam o resultado do final do jogo. E aí tem os comentaristas do placar final do jogo. A gente não consegue reconhecer quem é ético, quem trabalha, quem é talentoso e quem é bom. Você só é bom e só é talentoso se você ganha o jogo. Isso que eu falo o negócio da vitória, que associam que eu não valorizo as vitórias. Não! Isso é perder! Quem ganha desse jeito é perder. O cara nem sabe porque ele está ganhando, porque ele não sabe o que é bom.
– É igual o seu filho ir para a escola e ar de ano colando. Você não sabe se ele está aprendendo, você não sabe se ele é bom. Isso é para todas as profissões. No futebol é sempre assim, você não sabe se um time tem poder de contratar muito maior do que o outro. Eu fiquei no Cruzeiro, aí deu uma semana de campeonato e estava fora. Isso acontece com os outros. Começa o Brasileiro, tem uma rodada e aí você demite o cara. Não tem racionalidade! É destratar o jogo de futebol. Você não está agradando o torcedor, você está matando a chance de torcedor de ter dias melhores porque você não aguenta sofrer, não aguenta ficar.
– Você pega um exemplo do Fortaleza, que em 2022 ficou o turno inteiro na lanterna praticamente, foi sair do rebaixamento no final do campeonato. Olha o que o Fortaleza conseguiu por causa de uma ideia, de um cara que conseguiu ar. Ou não tem pressão? Lógico que tem pressão para mudar. Aí o cara pega e banca. Acha que o Fortaleza iria estar melhor se tivesse trocado? Isso é um exemplo de sucesso. Ou o sucesso do Fortaleza é ganhar o Campeonato Brasileiro? Pode ganhar, mas qual é a chance de comparar o Fortaleza com o poder de investimento que tem aqui, onde está situado e comparar com os dois hegemônicos, Palmeiras e Flamengo. Precisa ganhar do Palmeiras e do Flamengo para falar que você tem sucesso? Pode ser que o Fortaleza oscile para baixo de novo, por aquilo que o Fortaleza tem em termos de receita, de estrutura, de tudo.
Como mudar esse cenário que você critica? – Eu acho difícil apontar as soluções. Para mim é uma vitória tentar fazer parte da solução, lutar contra isso. Isso é uma coisa que não me convém. Eu não vou falar hoje que você é legal, fez uma matéria brilhante, e aí se errou numa matéria você já não é mais brilhante. Senão, você não quer tratar o outro como gente, você não tem generosidade nenhuma, o cara só é bom se entrega resultado. Ninguém aguenta isso aí. O futebol tem que ter brilho, tem que ter entrega, tem que ter ética. Mas, se você vive num ambiente em que você está toda hora sufocado pelo medo, você não pode errar, vai cair, vai ser mandado embora, vai ser achincalhado, vai ser desqualificado o tempo todo.
– Acho que é papel de todo mundo que está no futebol, de treinador, de jogador, de dirigente, de imprensa, mas o status quo vigente quer (bater). Isso dá o engajamento, isso é uma coisa que todo mundo sabe, é uma coisa banalizada, todo mundo sabe que isso aí vende. A gente tem que ter mais coerência. E o dirigente identificar o que é bom. Não é que você não pode mudar, mas você tem que identificar o que você acha que é bom, apostar no que é bom e estar junto. Porque pode dar errado durante um tempo, mas se você tem convicção a sua chance de dar certo é grande. Até mesmo porque tem um monte de gente que não sustenta nada.
No Cruzeiro, você não permaneceu para 2025 já percebendo que a qualquer momento poderia ser retirado do cargo? – Lá dentro pode ser, mas eu tenho uma inocência, tenho uma mania de achar que as pessoas podem se convencer daquilo que é legal, sabe? Daquilo que é bom. Eu procuro fazer aquilo que é bom. Eu procuro fazer o melhor para as pessoas, me dedico muito para o futebol, para que a vida tenha sentido para quem joga futebol, para quem assiste futebol, e eu tenho um comprometimento total para o futebol na minha vida. Mas, para trabalhar comigo, não dá para você ter esse grau de profundidade e a outra ser assim: "perdeu, está fora". Infelizmente foi isso que aconteceu, mas eu lutei para que aquilo pudesse dar certo, porque eu acabo me envolvendo com jogador, tento ajudar, via gente que estava evoluindo e sempre pode dar certo. Só que não dá para fazer sozinho, não faz. Não tenho pretensão de fazer sozinho.
E a montagem desse elenco do Cruzeiro foi um trabalho em parceria entre você e a direção? – Foi. Eu não posso falar disso. Poucos jogadores eu que indiquei, teve um dos jogadores que já veio por parte da direção. Acho que foi um elenco bem montado, só que é uma coisa que depende, você vai falar se é bom se der resultado, se ganhar jogo.
Como você vê esse fluxo de estrangeiros no Brasil? E você acha que o treinador brasileiro deveria tentar explorar outras ligas, como faz por exemplo o André Jardine no México? – Eu acho que pode desbravar outros mercados. E acho que se a gente fosse rigoroso com os estrangeiros que vieram pra cá... Cita aí os treinadores estrangeiros que deram certo no Brasil. Vocês vão citar três, quatro, cinco no máximo. Vieram quantos, 30? É só pegar o Palmeiras: ganhou com o Cuca, o Felipão, o Vanderlei, o Abel; o Flamengo ganhou com o Dorival, o Ceni, o Jorge Jesus, o Filipe Luís. O Botafogo com aquela quantidade de contratações também tinha potencial, já podia ter ganho em outro ano. Se você colocar estrangeiros nos times que têm maior capacidade de investimento, eles vão ter mais chances de ganhar. Se colocar brasileiro, também.
– A gente não tem que falar que o estrangeiro é melhor do que o brasileiro. Eu não acho. E pode vir, podem ficar os 20 (times da Série A) com estrangeiro, não tem problema se o cara achar que é o melhor, mas não que estrangeiro é melhor que brasileiro.
– O Jardine mesmo teve que ir para fora porque não tinha mercado aqui, mas ele sempre foi muito bom. Teve um trabalho no São Paulo, que foi o primeiro trabalho, numa camisa extremamente pesada, a coisa não aconteceu e aí ninguém reconheceu que o Jardine era bom, mas o Jardine sempre foi muito bom, ganhou tudo na base do São Paulo e foi o campeão olímpico. Aí fez um trabalho que não teve o resultado em determinado momento, até acho que foi bem no São Paulo, depois caiu de rendimento, não ganhou título e ficou aqui numa situação que não tinha mercado, porque a gente não conseguia enxergar que ele era bom. E talvez agora que ganhou, foi tricampeão no México, mesmo assim vão falar: "ganhou no México". Como se fosse fácil ganhar no México. Lá no México tem argentino, tem português, tem espanhol. Verdadeiramente, sou totalmente a favor de virem estrangeiros e de brasileiros irem trabalhar fora. Só que é errado falar que os estrangeiros evoluíram e aqui os caras não evoluem, como se não estudassem. Todo mundo estuda aqui.
Hoje a formação de treinadores no Brasil é boa? – Eles (estrangeiros) têm melhor que a gente, mas a maneira de aprendizado deles foi diferente. Lá foi uma coisa que deu certo já há muito tempo, falo mais da escola portuguesa, um país daquela dimensão ter um monte de treinador espalhado no mundo inteiro. Os cara têm muito mérito. É uma coisa que a gente tem que ter aqui, investir cada vez mais. Acho que a CBF teria que abrir espaço para ter centros de formações espalhados no Brasil inteiro, porque tem dinheiro para isso. Principalmente para quem não tem condição de pagar. A CBF tinha que melhorar as condições do curso e custear isso para poder criar escala e oferecer licença para mais gente. Tem um monte de gente que quer ser treinador hoje e não pode.
Eu já te ouvi falar em alguns momentos, em tom crítico, que você acha que estamos buscando sempre copiar o que europeus estão fazendo ou trazer de fora alguma metodologia, enquanto isso deixando de lado um pouco aquilo que caracteriza o futebol brasileiro. Mas a Seleção ganhou ao longo da história de maneiras diferentes. Na tua visão, qual é a essência do futebol brasileiro que a gente estaria perdendo para priorizar algo que vem da Europa? – E na Europa também as coisas são feitas e eles vão se modificando, né? Aqui no Brasil o nosso problema maior é muito mais psicossocial do que ordem tática. A maioria dos jogadores que chegam no topo vêm de lares muito desestruturados e sem base emocional. E a gente perde muitos jogadores criativos, talentosos, porque não sabe acolher o jogador. Quando fala do jeito brasileiro de jogar, acho que é uma coisa muito a ver com aquilo que foi no ado, que não dá mais conta sozinho hoje: muito jogo de rua, muita gente fora da escola e com contato com a bola, sem interferência de adulto, essas coisas vão diminuindo cada vez mais.
– Na minha cabeça, a Europa foi estudando e desenvolvendo maneiras diferentes de estudar o jogo para ficarem mais fortes para ganhar do que o futebol brasileiro e sul-americano de maneira geral. Eu acho que isso aconteceu. E acho que aqui a gente de fato tem um jeito diferente de jogar e que a gente tem que estimular isso e criar maneiras que acolham melhor os nossos jogadores. Se você não consegue acolher os nossos jogadores mais talentosos, o seu jeito brasileiro de jogar já vai ficar prejudicado. Se a gente perde um John Kennedy, um Sara, e tantos outros... É só ver em Taça São Paulo quantos surgem e quantos vão virar na frente. Esses jogadores costumam dar mais trabalho para a gente, o craque brasileiro. É só você ver o tipo de comportamento dos nossos grandes jogadores. Romário, Edmundo, Djalminha...
Adriano, Ronaldinho... – Cara arredio, cara diferente. Quase todos criados nas favelas, quase todo mundo não foi muito para escola. É um jeito diferente o do jogador brasileiro. E a gente precisa saber acolher, direcionar e criar um jeito de jogar pensando nesses caras. Eu acho que isso seria você dar chance para ir reinventando um jeito brasileiro de jogar. Você precisa acolher o talento, o drible, o jeito bonito de jogar e ensinar a esses cara as outras coisas que eles não gostam de fazer, que é marcar, ter disciplina, ser mais solidário. Isso é uma coisa que a gente precisa aprender. Eu acho que para a gente ter um jeito brasileiro de jogar precisa retomar e acreditar nessas características, acreditar no tipo de jogador que a gente tem e fornecer para eles aquilo que eles precisam.
– Você vai na base. Falamos de copiar: então é 4-4-2 e vamos jogar em transição. Você vai ver jogo do sub-15 que tem o desenho tático perfeito, mas não tem jogo, não tem criatividade, as pessoas não tomam risco porque também na base é uma coisa que todo mundo só quer ganhar. Então se o treinador da base ganha, ele é bom e fica. Mas, se ele desenvolve o jogador, se ele cria, mas não ganhou o campeonato, ele também sai. Essa pressão que tem por resultado imediato vai contra esse espírito do futebol brasileiro. Na copa de 1982 o Brasil não ganhou, mas era a essência do futebol brasileiro, daquilo que você imagina que seja essência. Jogador bom, jogador que dribla, que a, que movimenta, que faz gol. Isso é essência do futebol brasileiro. Mas se a gente não estimula isso desde a base e não saber acolher aqueles que têm mais potencial para fazer isso, vai ficando mais distante daquilo que a gente deveria ser.
Há quem acredite que a ida de jogadores brasileiros para o exterior cada vez mais jovens gera um impacto direto na forma da seleção brasileira jogar. Isso estaria tirando a nossa essência, de acordo com essa corrente de pensado. Você concorda? – Eu acho que tem impacto o jogador ir cada vez mais cedo para lá. Porque esse negócio do vínculo que o jogador tem com a Seleção é uma coisa que quanto mais demorava para ir (para o exterior), mais vínculo você tinha. Todo mundo sabe que o apelo popular com a seleção brasileira diminuiu ao longo desses últimos anos. Não é só por causa de ganhar, é porque o mundo foi mudando, e uma das mudanças foi essa saída muito prematura dos jogadores daqui para lá. E é o cara que tem menos vínculo, às vezes ele está com um sonho maior de jogar no Real Madrid do que jogar na Seleção, que antes é isso era impensável. Então isso modifica mesmo as relações. E eu acho que isso é uma coisa que precisa resgatar, a Seleção tem que ser o que era, um orgulho. Isso a para quem assiste, uma dedicação máxima: "vou me sacrificar, quero ganhar uma Copa do Mundo, quero dar essa alegria.
A minha pergunta vai além dessa conexão que existe entre o jogador, Seleção e torcedor. Você acha que essa ida precoce dos jogadores para a Europa influencia na forma de jogar tanto tática quanto tecnicamente? – Influencia, mas o jogo hoje está dominado pelo modelo europeu. Tem coisas boas e coisas ruins, e tem coisa nossa que os caras aplicam lá. O jogo do Barcelona, que o Guardiola falou que teve influência da Seleção de 1982, tem também impacto nesse jogo do PSG, do Arsenal, que tem mais posse. Os times que jogam assim, com mais estética, mais beleza, tem como referência o futebol brasileiro, aquilo que está no imaginário de todo mundo e que a gente praticou no ado com mais nitidez. E ainda existem momentos que a coisa acontece, que fica muito bonito quando a Seleção joga, teve momentos nas Eliminatórias com o Tite que jogou muito bem e encantou.
– Em contrapartida, uma coisa que ajuda na ida para Europa é que lá tem uma consciência tática muito grande. Aqui às vezes o jogador mais talentoso não quer fazer. Na base eu acho que acontece muito de maneira equivocada que os jogadores muito talentosos às vezes tem muita liberdade para fazer o que querem e não aprendem as questões táticas de maneira adequada. Essa é uma crítica que eu acho que é pertinente dos relatos que as pessoas falam. Embora nunca tenha trabalhado na base, eu lembro da minha época e sei das coisas que as pessoas trazem. Quando o jogador é muito decisivo na base, ele tem uma série de facilidades no plano tático que não deveria.
– Na minha história com o Ganso falei para ele que eu o considero um gênio mesmo, um gênio para jogar futebol, do pensamento, da intuição, um cara que precisa de um toque ou dois para poder clarear um jogo inteiro, é um cara muito diferente naquilo que ele faz. Ele é o mais diferente de todos. Mas acho que o Ganso da base talvez tenha ouvido assim: "você é um cara genial, então não precisa correr". Hoje em dia eu percebo que o Ganso corre mais do que corria antes, porque ele é um cara inteligente para entender as coisas. Essa foi uma das coisas que eu sempre conversava com ele, e ele foi entendendo que precisava, não ia tirar pedaço dele ser solidário. Pelo contrário, ele acaba abrindo mais espaço para genialidade, pois assim ele está mais perto do jogo, mais conectado com os jogadores.
Gostaria que você falasse sobre o John Kennedy, autor do gol do título da Libertadores do Fluminense. Como foi o seu trabalho com ele? – Eu costumo dizer que o futebol, para mim, tem uma função. Eu acho que ele é meio, não é fim, é melhorar a vida de quem joga e a vida de quem assiste. É uma coisa da vida, como deviam ser todos os trabalhos. Se você tem uma pessoa melhor, mais confiante, mais inteligente, mais consciente, mais ética, a pessoa vai executar aquilo que ela tem que executar de uma maneira melhor. No futebol, de maneira geral, têm muitos Johns Kennedys por aí, são vários. E a gente tem uma facilidade muito grande de perdê-los, porque esses caras testam muito os limites que a gente tem. O John Kennedy testou muitos os limites do Fluminense, e eu sempre quis muito ajudá-lo. Em determinado momento, a gente teve que afastar um pouco.
– Quando eu cheguei, em 2022, não dei conta dele. Eu fui, tentei, me aproximei muito rápido, tentei, aí não aconteceu, ele foi para o sub-23, deu problema, foi lá para Xerém de novo no sub-20. Não foi legal, e a gente organizou de ele fazer o Campeonato Paulista pela Ferroviária. Ele foi bem, voltou diferente e foi sendo colocado de novo num processo um pouco mais gradual. Ele foi indo, foi amadurecendo, foi treinando, foi enxugando, foi se dedicando mais nos treinos e começou a fazer diferença no campo. Em determinado momento, o John Kennedy deu problema de novo, só que a gente já tinha base suficiente para conhecer melhor e continuar acolhendo. E aí não fui só eu. Jogadores e o Paulo Angioni (diretor de futebol) participaram muito desse processo também.
– A gente soube acolher o John Kennedy. Ele testa. Chegou atrasado de novo, não foi, essas coisas do treino, de ser um pouco indisciplinado. Mas a gente conseguiu, na hora que todo mundo ia romper, dar mais uma chance. Teve um determinado momento em que a gente se reuniu e teve aquele negócio: "o John Kennedy não dá mais". Não, o John Kennedy dá. Se sair daqui, ele vai fazer o quê? E isso foi uma coisa consensual, uma conversa minha com os jogadores, e foi praticamente a acolhida final. Coincidência ou não, dali para frente ele começou a decidir praticamente todos os jogos.
– A gente não consegue salvar todo mundo e nem o próprio John Kennedy. Mas o fato de ele estar tendo uma nova chance me alegra. Se ali na frente ele conseguir estar com a família dele formada, ter conseguido guardar o dinheiro que ele precisa para poder cuidar da esposa e dos filhos eu vou ficar muito contente. Ele está muito bem no México. Eu espero que ele consiga amadurecer de uma maneira que tome conta do próprio talento, porque o talento dele é muito grande. O John Kennedy tem talento para jogar na seleção brasileira, só que emocionalmente ele tem que pagar um preço para ir evoluindo. E eu acho que ele tá nesse processo e torço muito para que isso evolua e, daqui a dez anos, a gente se encontre com ele super bem. É o meu maior desejo.
Você mantém contato com esses jogadores? Não só com o John Kennedy, mas com esses jogadores com quem você teve mais trabalho, os "fios desencapados" digamos assim? – Tenho contato, não é regular, mas eu tenho. Com o John Kennedy eu falei tem uns 15 ou 20 dias. Eu falei com o Brenner, sei lá, uns dois meses atrás.
O Gabriel Sara... – O Sara faz menos tempo, mas o Sara era um fio muito encapado, precisava desencapar um pouquinho (risos).
Você ajuda a desencapar também? – Ajudo, o Sara mesmo tive que desencapar um pouco, né? O Sara era muito para dentro. Muito cumpridor de todos os deveres. E também vivia uma vida que não era dele, sabe? O cara podia fazer muito mais e era travado, era limitado pelo ambiente. E foi um trabalho bonito do Sara também. Assim como John Kennedy, o Sara, numa outra via, foi um trabalho tão importante quanto, porque era também uma pessoa que poderia não virar por outros motivos.
– Esse menino é muito diferente. Sempre falo disso, que ele era um leitor de Dostoiévski, Tolstói, uma coisa que eu não sabia, nem tinha um perfil você olhando. A gente não conhece nada de ninguém. E do jogador, se você não tiver desejo de se aproximar, vai ar, vai treinar e não vai conhecer a pessoa. Isso é uma crença fundamental do meu trabalho. Se você consegue se aproximar do jogador, ganhar confiança, você tem uma pessoa mais confiante, uma pessoa mais corajosa, ele vai ser um jogador melhor.
Você está falando de jogadores que encontrou muitos jovens, que estavam em busca de referências. Mas também trabalhou com jogadores de muita personalidade, num outro estágio de carreira, como Marcelo, Felipe Melo, Daniel Alves... Não deve ser simples de conviver, né? – Todos esses jogadores precisam de ajuda. A gente que acha que não precisa porque cara é muito experiente ou porque o cara tem dinheiro. O Marcelo, que você citou, fui trabalhar com ele com 35, 36 anos. Quando eu conversei com ele, ele disse: "ninguém nunca conversou comigo assim na minha carreira inteira".
E o que você conversou com ele? – Uma das coisas que eu falei com o Marcelo foi o seguinte: nos últimos dois anos de Real Madrid ele tinha jogado muito pouco, depois tinha ido para a Grécia e não estava jogando. Ele chegou com um pouco de sobrepeso e eu falei quando ele vinha: "olha, você vai ter que correr pra caramba". Fiz uma vídeo-chamada e falei: trabalha. Aí quando ele chegou eu falei: "vamos treinar pra c..., assim, assim, assim, porque eu sei que você não quer terminar a carreira em baixa". A carreira dele estava assim (apontando para baixo). Então vamos estancar isso e fazer subir de novo. Só quero te ajudar. Só que o jeito de ajudar às vezes não é o mais confortável para o jogador. Ainda mais para um jogador como o Marcelo, o cara foi um dos maiores jogadores da história da posição dele. Ele jogou 17 anos no Real Madrid, ganhou tudo o que podia ganhar e é um mágico com a bola nos pés, é um cara que joga mais bola do que futebol. Até hoje, se tiver folga, ele vai jogar pelada, o cara gosta do contato com a bola, é extremamente diferente.
– Só que precisa de entendimento. Se você não se abre para entender o Marcelo que está vindo, você o perde. Para mim, é um troféu que pouca gente vê esse contato, essa aproximação e você conseguir criar conexão e poder ajudar. E eu falei para ele: "eu quero te ajudar primeiro para depois você me ajudar". Só preciso conseguir entrar, a gente conseguir se entender. E a gente foi se entendendo, não foi uma coisa linear, tiveram os problemas no meio do caminho, mas todos os problemas foram para ajudar a gente a se entender cada vez melhor. E o Marcelo foi extremamente decisivo na estreia da Libertadores, depois na final do Carioca, importantíssimo na Recopa. Ele conseguiu fazer um fechamento de carreira maravilhoso. E é o Marcelo, o Felipe Melo, o Fábio goleiro, todo mundo precisa de algum tipo de ajuda. Você acha que os caras que estão na Seleção, num puta de um sufoco, vem pressão do Brasil inteiro, e o cara não precisa de ajuda?
E mesmo em tão pouco tempo reunido com os convocados você conseguia dar essa ajuda? – É o que eu tento, não sei se consigo. Eu tento oferecer o máximo para poder tirar essa pressão, porque o futebol é um esporte muito castrador. É muito difícil ser jogador de futebol e quanto mais você vai subindo, até o nível máximo que é a Seleção, pior é. Tem um monte de jogador que está na Seleção e você sabe que joga muito mais do que aquilo que está jogando. Por que não joga? O cara precisa de ajuda, precisa entender o que é. A maioria das vezes não é uma coisa tática, é o cara poder ser ele mesmo, arriscar, ter vontade de ser ele. E a gente não pode ceder à pressão. Eu vi uma entrevista do Sávio em que ele falava: "vi muita gente ser engolida no Real Madrid pelo Santiago Bernabéu". E a Seleção vai engolir muita gente. O futebol engole muita gente talentosa. E na vida também é assim, não são os mais talentosos necessariamente que vão vingar. Mas, se a gente conseguir ajudar mais, a gente vai perder menos talentos.
E quem te ajuda? – De maneira prática, acho que a pessoa que mais me ajuda é minha esposa, que é uma grande parceira. Eu faço terapia até hoje, e os jogadores me ajudam muito. No Fluminense conversava muito com o Paulo Angioni, sempre tem gente para conversar. E os jogadores devolvem muita coisa para mim.
– A minha maneira de me relacionar com os jogadores eu acho que é diferente, isso eu sei que é diferente. Quando eu joguei, eu sentia muita falta de ouvir... Era aquela coisa: jogador está lá, depois está aqui, e aí se ganha o cara é bom, se perde o cara é ruim. E não é que perde e o cara é ruim como jogador, parece que ele a a ser ruim como pessoa, as pessoas vão se afastando e você vai perdendo.
–A gente deu exemplo do Sara: ele estava quase desistindo de ser jogador, e eu estava no meu limite também. Nessa época teve um jogo, e ele já vinha de uma sequência ruim, enfrentamos o Red Bull Bragantino no Morumbi. Eu estava no banco, e o Sara pertinho. Ele estava tocando a bola para fora, e que uma criança de 10 anos acerta. Eu tirei ele no intervalo, ou um dia, e conversamos: "olha, você tem que ir lá e jogar". Nós ficamos conversando até de noite esse dia. Eu dizia: "você precisa arriscar, é só ser você, não tem meu problema, ninguém vai te matar". E foi uma conversa, ele falou da família, falou do pai, falou da mãe, falou da irmã e foi falando. Daquele dia em diante ele desabrochou, fez dois gols contra o Santos e o resto foi história. Ele ganhou confiança.
O Felipe Melo me contou que o único jogador do Fluminense sobre quem o Guardiola foi te perguntar alguma coisa foi o Martinelli. E que depois disso, para estimular o Martinelli em treinamentos, você o chamava de "jogador do Guardiola". Queria saber se foi exatamente assim que aconteceu e como é que foi esse papo com o Guardiola. – Na realidade foi uma coisa bem descontraída. E não foi o único, é que o primeiro que ele perguntou foi do Martinelli. Eu falei do André e tal, e ele: "E o Martinelli?". Porque, de fato, o Martinelli na semifinal e na final do Mundial jogou muito bem mesmo. E é um cara que tem muito potencial, que sofre pressão e vai se virando. Ele está sempre questionado. O Martinelli teve um momento comigo que ele foi muito bem, que o time também estava ganhando muitos jogos e ele teve mais sossego. Quando eu cheguei no Fluminense, ele estava num momento de baixa, com o tempo ele foi resgatando a estima e virou titular da equipe. É muito talentoso, um jogador bem completo, atleticamente é um cara muito saudável e super dedicado. Tecnicamente, ele tem todas as competências que um volante precisa ter: e longo, chute de fora da área, boa velocidade, boa impulsão, altura. E o que falta? Às vezes falta acreditar. Por isso eu falava: "se o Guardiola achou, por que você está duvidando mais do que ele?". Precisa botar para fora o potencial que ele tem, porque ele tem muita qualidade.
E como foi esse papo com o Guardiola? Sobre o que mais vocês conversaram? – Foi rápido, ele até brincou comigo: "como é que você consegue? É a sua esposa? Como é que você faz se você está aqui na seleção? É uma loucura!".
O futebol brasileiro está sendo inundado pelas apostas. A gente está vendo seguidos casos de atletas envolvidos ou supostamente envolvidos em episódios de manipulação. Como você vê isso? – Eu acho muito triste. Tem um pouco a ver de a gente ficar pensando só naquela coisa da competitividade, o ganhar e perder sem formar bem o jogador. Os clubes recebem os jogadores com 12, 13, 14 anos. Se você investe na formação ética e moral dessa turma, isso dificilmente estaria acontecendo, principalmente em time grande. Esses que vão para time pequeno, que não tiveram o a nada, ainda estão errados, mas o cara fica mais vulnerável. Mas se a gente não investir mais no processo formativo das pessoas, a gente vai desencadear esse tipo de coisa.
– O cara às vezes é até a vítima, porque ele sai de casa com 12, 13 anos, vai para o clube de futebol, ficava na base mais ou menos oito anos, aí ele tem 20 anos. Aí depois ele começa a jogar, pressão, viagem e tal, daqui a pouco ele tem 30 anos, mas qual tipo de informação ele teve para amadurecer? Às vezes não tem pai, não tem mãe, às vezes não tem os dois. Eu nunca ia entregar meu filho para um clube de futebol fazer a parte da educação, porque eles não fazem. Se fizessem, seria diferente. Mas não é isso a preocupação dos clubes de futebol, eu não vejo isso nos clubes que eu trabalhei.
Você não deixaria um filho de 13 anos morar fora para jogar futebol? – Não deixaria. Porque eu não vejo que o clube tem preocupação em cuidar. Nos alojamentos esses moleques choram, choram, choram e choram. O errado também atrai mais fácil, então a chance do cara que não tem nada fazer uma coisa mais fácil... É grande a tentação. É lamentável esse negócio de aposta, isso é um tipo de falha ética e moral, mas às vezes é desinformação, às vezes o cara faz na maior inocência. O cara não vai ganhar nada com aquilo, se parasse para pensar... O cara também não tem formação cognitiva.
– As escolas são para você ir, não para você aprender. Quando você chega com 15 para 16 anos, jogando futebol, tendo treino em dois períodos, muitas viagens, você vai ser empurrado para ar de ano, não vai estudar para aprender. Mas eu acho que os clubes tinham que pegar essa responsabilidade para si, seria um ganho social para todo mundo, porque nisso você ia formar um cara ética e moralmente, até para uma profissão, porque a maioria não vai virar jogador, não vai viver do futebol. Para você entregar para a sociedade um cara melhor que está recebendo no seu clube.
Quando você assumir um novo time, pensa em sugerir que isso seja abordado? – Eu acho que, de uma maneira ou de outra, os clubes têm feito isso. Teve palestra no Fluminense, teve palestra no Cruzeiro, mas isso tem que ser uma coisa mais constante. Tem que impactar, que nem campanha de cigarro. Mostrar o que aconteceu com o pulmão do cara, tem que ser uma coisa que tem impacto. Não adianta você falar uma vez e achar que isso vai (resolver). Deu uma palestra e isso vai acontecer depois, naturalmente. Eu acho que tem que ter um investimento mais maciço nesse tipo de questão.
Em uma de suas respostas você mencionou o ambiente das redes sociais. Mas, que eu saiba, você não tem rede social. Ou pelo menos não é você quem istra as suas páginas. Mesmo assim, os comentários e críticas chegam até você? – Chega e você percebe, né? Eu tenho quatro filhos, tenho jogadores. Vai começar o jogo, e as pessoas estão conectadas no celular. Tem jogador que pega no celular, às vezes se não estiver muito envolvido, até no intervalo. Aí termina o jogo e todo mundo está no celular. E você sabe o que acontece no futebol, eu não sou alienado. Eu não tenho rede social, acho que não faz bem para mim, não sinto falta, mas eu tenho contato às vezes. Nesse momento, que eu estou sem trabalhar, eu visito um pouco mais os sites de notícias, um pouco sobre o que falam de futebol, um pouco de rede social, e eu vejo um ambiente muito tóxico.
– Não tem como a pessoa ar por aquilo impune. Aquilo é quase uma loucura, sabe? É uma tentativa de expiação das pessoas, de quase sempre o negativo muito aflorado, de muita crítica, muita raiva. Aquele ambiente não é saudável. A tecnologia é algo inexorável, ela veio para ficar cada vez mais as nossas vidas. Mas a gente precisa saber como usar isso, principalmente as crianças e os adolescentes, porque eu não. Vejo ali um ambiente de saúde para as pessoas, principalmente agora falando do futebol, que é onde eu milito. É uma exposição muito grande e as pessoas abrem aquilo para falar o que querem sem nenhum pudor e, na maioria das vezes, sem muita racionalidade.
Pra explicar de uma forma resumida, em que está baseado o seu modelo de jogo? – A base seria o futebol de rua, futebol de salão e o futebol de campo formal, esse que a gente joga. Futebol de rua por conta da liberdade que eu tento fazer com que os jogadores sintam no campo, tanto de movimento, quanto de ter pouca interferência, para que ele consiga reproduzir de alguma forma aquilo que ele se sentia na rua. Improvisar, poder driblar, dar um calcanhar, um chapéu, o cara não ficar muito preocupado com aquilo que vão dizer. O futebol de rua é isso, não tem interferência de ninguém, e aquilo vai gerando um repertório motor, cognitivo, de criatividade que é muito difícil replicar no clube. E aí o futebol de salão eu acho que tem mais amarração tática do que o campo. É mais parecido com o basquete do que com o futebol de campo, que é menos gente, a bola não quica, você tem muito mais controle sobre as ações. E aí o futebol de campo, acho que são essas três bases.
E tem alguma coisa que você considera uma criação sua? – Eu dei um nome de paralela cheia. Acho que foi uma coisa que eu que eu fui criando ao longo do tempo sem perceber. Um dia eu estava no São Paulo, jogamos contra o Fortaleza na Copa do Brasil, e a gente teve muita dificuldade de jogar por dentro. Eu gosto muito que jogue por dentro também. E eu fiquei com esse jogo na cabeça por dois dias. Teve um dia que eu fiquei umas oito horas em quatro ou cinco cenas. O que fazer? É uma coisa de estudo e intuição também. Já tinha uma coisa que veio desenhando e eu meio que falei: vamos aplicar. E é assim. E aquilo funcionou e depois ficou uma ferramenta que eu acabei usando.
E o que é a paralela cheia? – É um conceito daquilo que alguns chamam de sobrecarga, ter mais jogadores no lado da bola. Mas aquilo tem uma série de movimentos, não é só colocar os jogadores, tem um mundo de coisas que você pode fazer ali naquele espaço com bastante jogador. Então ali a gente criou e ficou esse nome. E outras pessoas, obviamente, podem fazer coisa parecida ou pode ter feito antes de mim. Para mim, não foi uma coisa que eu vi alguém fazer, foi uma coisa que eu criei especificamente para aquele momento e que me ajuda até hoje.
Para encerrar, baseado nas experiências boas e ruins que você teve na carreira, o que te atrai hoje num projeto para assumir um clube? – Eu acho que não tem o mundo ideal, mas uma coisa que eu gosto, que não é o definidor de tudo, mas é que eu tenho conexão com a ideia de quem vai mandar em mim. Que a gente tenha pelo menos um alinhamento mínimo do que a gente vai fazer. Porque na hora que a coisa treme... E às vezes na hora que treme, que todo mundo acha que é o fim, no fundo aquilo é o começo de uma coisa muito grande. Eu acho que esse alinhamento é uma coisa importante. Não é questão se vai dar certo, se vai dar errado, mas isso já é um ponto. Eu acredito muito quando tem esse alinhamento e a capacidade de criar conexões com os jogadores e desenvolver trabalho. Eu acredito muito nessa coisa da coletividade participando do trabalho, não só jogador e comissão, de gente que gosta de trabalhar, sabe? Porque eu gosto de trabalhar muito.
amos quase duas horas e meia falando de futebol. Mas, afora isso, do que você gosta, o que você faz? – Eu sou auxiliar técnico da minha mulher (risos). Na cozinha, motorista, segurança, levo minha filha no vôlei. Eu estou muito bem agora.